sábado, 25 de outubro de 2008

Biologia teórica?


A melhor teoria biológica que temos, a teoria da evolução, não é capaz de prever resultados. Se conseguíssemos reprisar a história da vida na Terra repetidas vezes, teríamos, provavelmente, resultados diferentes. Não é bem assim com outras disciplinas fundamentais da ciência.
No começo do século passado, Albert Einstein revolucionou a física. Os insights alcançados por Einstein aconteceram porque ele foi capaz de criar um quadro conceitual que uniu diversas áreas da física. Esse quadro conceitual surgiu da fusão de dados experimentais, teoria e filosofia. A intuição de Einstein, somada à sua habilidade matemática e perspectiva filosófica causais (será que tudo isso veio de um escritório de patentes?), gerou o ambiente correto para a concepção das teorias da mecânica quântica e relatividade. Essas, por sua vez, permitiram testar diversos processos tanto em micro quanto macro escalas do Universo. Esse largo espectro de atuação foi fundamental.
Não temos alguém assim na biologia. Não temos ninguém com uma teoria biológica capaz de prever resultados baseados na experiência ou em princípios simples. Mesmo considerando esse como sendo o século da biologia, com uma explosão de dados oriundos de projetos genomas, não existem teorias que possam prever argumentos testáveis.
Existem, é verdade, alguma tentativa — por exemplo, ao examinarmos a dinâmica molecular de complexos de transcrição ou a dinâmica de proteínas de membrana. Isso é possível dentro de um sistema físico isolado, em escala pequena, com parâmetros como difusão e entropia controladas. Mas, conforme aumenta a escala, aumenta a complexidade do sistema e o modelo se torna irritantemente imprevisível. E, por isso mesmo, modelos de previsão biológica são raramente financiados. Nesse aspecto, a biologia tem agido apenas de forma descritiva, infelizmente.
Isso acontece porque não conseguimos antecipar propriedades emergentes a partir do comportamento que rege os componentes atuais de um sistema biológico. Antecipar essas propriedades emergentes é essencial se algum dia quisermos saber como mutações genéticas específicas podem predispor uma pessoa ao câncer, ou se a cafeína faz bem ou mal a um determinado indivíduo.
Se a forma reducionista dos modelos matemáticos não funciona para a biologia, o que funcionaria então? Ninguém tem a resposta e, até que tenhamos um “Einstein” na biologia, vamos continuar sem saber. Mas um dos conceitos potencialmente importantes pode ser o de rede conectiva. Existem semelhanças claras entre redes computacionais e biológicas. Por exemplo, proteínas responsáveis pelo reparo do DNA celular enfrentam um estrangulamento de eficiência na chamada cascata metabólica (a seqüência de passos moleculares, formados por distintas proteínas que vão ativando umas às outras) quando o numero de lesões no genoma ultrapassa um certo limiar. Isso porque o numero de proteínas responsáveis pela detecção das lesões é limitado – não adianta termos um excesso de proteínas acima da cascata se não tivermos proteínas detectoras de lesões em quantidades suficientes.
Na computação, esse limite é gerado pelo número de conexões estabelecidas que, assim como a quantidade de proteínas detectoras de lesão, são essenciais para o bom funcionamento da rede. Curiosamente, pode-se entender melhor como as redes funcionam (e até prever o comportamento das próprias) estudando exemplo de outras redes, como as redes sociais. Redes sociais são extremamente cautelosas com o próprio funcionamento. Veja o exemplo da internet ou de sites de relacionamento que constantemente se auto-monitoram, mantendo um fluxo eficiente e equilibrado de informações. O mais interessante desse conceito de rede é que ele pode acontecer em diferentes níveis, do micro (ou molecular) ao macro (populacional).
O conceito de rede ainda é novidade na biologia, mas já faz parte dos fundamentos do que chamamos de “biologia de sistemas”, que promete unificar diversos aspectos biológicos de forma única, permitindo uma compreensão inédita nos modelos biológicos. Talvez apareça daí a capacidade de antecipação teórica na biologia, fugindo do tradicional método cientifico de hipóteses testáveis. Nada contra o bom e velho método, mas acho que a geração de conhecimento iria avançar de forma muito mais acelerada.
Fonte: G1. Alysson Muotri (http://colunas.g1.com.br/espiral/)

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