segunda-feira, 8 de setembro de 2008

INTERRUPTOR MICROSCÓPICO


Constituído por apenas 81 bases nitrogenadas este diminuto fragmento de DNA poderia ser um dos fatores-chave que diferenciaram as mãos e os pés humanos dos membros de todos os outros primatas e vertebrados terrestres. Então agradeça a este microscópico fragmento a possibilidade de utilizarmos o mouse e outras técnicas com o dedo opositor.

A idéia parece exagerada, mas está sendo defendida num intrigante trabalho publicado na revista especializada americana "Science". Trata-se de mais um passo num desafio que está só começando: determinar quais pedaços do genoma são responsáveis por "nos tornar humanos". E o curioso é que, pelo que essas pistas preliminares indicam, o importante não são alterações nos genes, mas na maneira como eles são ligados e desligados ao longo do desenvolvimento.

O trabalho coordenado por James Noonan, da Universidade Yale, foi justamente uma caça bem-sucedida às chamadas regiões não-codificadoras do DNA que não contêm a receita para a produção de uma proteína, como acontece com os genes. No entanto, é comum que essas regiões sejam "interruptores" genéticos - áreas onde as moléculas responsáveis pela ativação ou desativação de um gene próximo se ligam e iniciam sua função. Uma comparação possível seria com um botão de liga e desliga, embora a situação real seja mais complexa.

Uma estratégia para achar esses "botões" no genoma é comparar o DNA de várias espécies diferentes em busca de regiões não-codificadoras "conservadas", ou seja, nas quais a evolução não mexeu muito ao longo de dezenas ou centenas de milhões de anos. Como a natureza em geral não fica trocando coisas úteis, a "conservação" de um pedaço de DNA normalmente indica que ele é importante para o organismo.

Foi assim que Noonan e companhia chegaram à HACNS1, como foi batizada a região não-codificadora descrita no atual estudo. De fato, ela era conservadíssima em todos os vertebrados terrestres cujo genoma foi decifrado, menos nos seres humanos. Entre nós, a região sofreu 16 mudanças em suas bases nitrogenadas, isto é, cerca de quatro vezes mais a taxa média de mutações no DNA. Isso acendeu o sinal amarelo para os pesquisadores: provavelmente a HACNS1 teria uma função exclusiva da nossa espécie, raciocinaram eles. E decidiram tirar a prova inserindo a forma humana do trecho, bem como a forma correspondente em chimpanzés e macacos resos, em embriões de camundongo, colada a um gene marcador que indicaria aos cientistas em que parte do organismo ela regularia a ativação gênica. O resultado foi no mínimo intrigante: a principal área aparentemente regulada pela HACNS1 envolve tanto o polegar (ou o equivalente do polegar nos embriões de camundongo) quanto o dedão do pé.

Sabemos que há diferenças significativas entre as nossas mãos e pés e as dos outros primatas. Fora o mero fato de andarmos com duas pernas, um exemplo envolve o polegar: os chimpanzés não conseguem dobrá-lo totalmente em oposição à sua palma da mão, e têm menos músculos nesse dedo do que nós, o que diminui sua destreza na manipulação de objetos. Os cientistas sugerem que a HACNS1 teria ajudado a regular essas transformações "humanizadoras" nas mãos e nos pés humanos, de uma forma que eles ainda precisam elucidar em detalhe.